terça-feira, 28 de junho de 2011

Fragmentos de Lafcadio Hearn

Descobri esse autor recentemente e quis compartilhar com os amigos, mas não achei nada, nada exceto um único conto traduzido em um blog, dele em português. Então resolvi fazer uma tradução do primeiro contato que tive com Hearn, o conto "fragments", abertura de seu "in Ghostly Japan". Encontrei esse livro em espanhol, mas não em português. Os poderes do Google podem ter me falhado miseravelmente, mas até onde eles alcançam, e até onde eu saiba, essa é a primeira tradução desse conto em nossa língua. Será possível? Gostaria de estar errado, para poder comparar e aprender, já que esta é resultado de um esforço, na melhor das hipóteses, amador.


Fragmentos


de Lafcadio Hearn



E foi na hora do pôr do sol que eles chegaram ao pé da montanha. Não havia sinal de vida naquele lugar, _ nem gota de água, nem traço de plantas, nem a sombra de um pássaro voando, _ nada além de desolação se abrindo para mais desolação. E o pico perdia-se nos céus.

Então disse o Bodhisattva a seu jovem acompanhante: _ “O que você pediu para ver será mostrado a você. Mas o lugar da Visão é longínquo; e o caminho é árido. Siga-me e não tema: a você dar-se-á forças”.

O crepúsculo assombrava-os enquanto escalavam. Não havia uma trilha batida, nem marca nenhuma de prévia passagem; e o caminho era todo sobre um interminável amontoado de fragmentos desarranjados que rolavam e viravam sob os pés. Às vezes um punhado deslocado cascateava ecoando estalidos ocos; _ às vezes a matéria cedia quando pisada, esfacelando como uma concha vazia... Estrelas pontuavam e tremeluziam; e a escuridão se aprofundava.

“Não tema, filho,” disse o Bodhisattva, guiando: “Perigo não há, mesmo que o caminho seja sombrio”.

Sob as estrelas eles escalaram, _ rápido, rápido, _ impulsionados por uma força sobre-humana. Altos nevoeiros atravessaram; e viam abaixo deles, expandindo conforme subiam, uma silenciosa inundação de nuvens, como a maré de um mar leitoso.

Hora após hora eles escalaram; _ e formas invisíveis cediam sob seus passos, despedaçando com ruídos surdos; _ e tênues chamas frias queimavam e morriam a cada esfacelamento.

E uma vez o jovem peregrino pôs a mão em algo macio que não era pedra, _ e o ergueu, _ e entreviu a face emaciada da morte.

“Não se demore assim, filho!” urgiu a voz do mentor; _ “o pico que devemos alcançar está muito longe!”

Escuridão adentro eles escalaram, _ e sentiam continuamente os suaves e estranhos esfacelamentos, _ e viam as chamas gélidas incandescerem e morrerem, _ até que as bordas da noite se acinzentaram, e as estrelas empalideceram, e o leste começou a florescer.

Ainda assim eles escalaram, _ rápido, rápido, _ impulsionados por uma força sobre-humana. Ao redor agora era o frio da morte, _ e um silêncio tremendo... Uma chama dourada alimentava no leste.

E então pela primeira vez aos olhos do peregrino as ladeiras se revelaram nuas; _ e um tremor se apoderou dele, _ e um horrível medo. Pois não havia nenhum chão, _ nem abaixo dele, nem ao redor dele, nem acima dele, _ exceto por um amontoado, monstruoso e desmedido, de crânios e fragmentos de crânios e pó de ossos, _ com um brilho aqui e ali de dentes partidos, como o brilho de pedaços de conchas na ressaca da maré.

“Não tema, filho!” gritou a voz do Bodhisattva; _ “Só os fortes de espírito chegarão ao local da Visão!”

Atrás deles o mundo sumira. Nada restava além das nuvens abaixo, do céu acima, e do amontoado de crânios entre os dois, _ subindo a perder de vista.

Então o Sol escalou com os alpinistas; e não havia calor em sua luz, mas um frio agudo como uma espada. E o horror da estupenda altura, e o pesadelo de estupenda profundidade, e o terror do silêncio, crescendo e crescendo, pesaram sobre o peregrino, e prenderam seus pés, _ e subitamente toda a força se esvaiu dele, e ele gemeu como um sonhador adormecido.

“Apresse-se, apresse-se, filho!” gritou o Bodhisattva: “o dia é breve, e o pico está muito longe”.

Mas o peregrino gemeu, _ “Eu temo! Eu temo além das palavras! _ e toda força se esvaiu de mim!”

“A força voltará, filho,” assim respondeu o Bodhisattva... “Olhe agora abaixo de você e acima de você e ao redor de você e diga-me o que vê”.

“Eu não consigo,” gritou o peregrino, tremendo e agarrando-se, “eu não ouso olhar para baixo! À minha frente e ao meu redor não há nada além de crânios de homens.”

“E ainda assim, meu filho,” disse o Bodhisattva, rindo suavemente, _ “ainda assim você não sabe de que esta montanha é feita”.

O outro, tremendo, repetiu: _ “Eu temo!_ indizivelmente eu temo!... Não há nada além de crânios de homens!”

“Um montanha de crânios, sim,” respondeu o Bodhisattva. “Mas saiba, filho, que SÃO TODOS SEUS! Cada um deles foi alguma vez o ninho de seus sonhos, delírios e desejos. Nem mesmo um deles é o crânio de nenhum outro. Todos, _ todos sem exceção, _ foram seus, nas bilhões de suas vidas passadas”.

Epitáfio

Foi testemunha o travesseiro
Passou um momento no meu sonho
Passou o momento do meu sonho inteiro

Presenciou o jornaleiro
Passou um momento do meu dia
Passou o momento do meu dia inteiro

Viu o Grande Sinaleiro
Passou um momento em minha vida
Passou o momento de meu ser inteiro

Para quem ficou fui passageiro
Fui um momento de um sonho
Fui o sonho que sou eu inteiro.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Soneto da Paternidade

À toda minha atenção escaparia
O momento em que Helena fez-se inteira
Só faltou dizer-me: "Achou!". Quem diria
Foi dela a primeira brincadeira

Bebês fazem pouco, quase nada
Não te olham, não te riem, egoístas
Mas dessa linguagem muda, calada
Criam sonhos. Demônios. Artistas.

E uma grande obra ela produz insuspeita
Até quando de chorar se esvai
A cada sorriso, careta ou bocejo

Ou no rosto, em que bobo me vejo
Mesmo dormindo, serena, perfeita
Helena de mim faz um pai