segunda-feira, 25 de junho de 2012

Como educar seus filhos?

Na última semana a revista Veja São Paulo publicou uma matéria sobre como educar filhos. Eu, como pai de uma menininha de um ano, li com muito interesse. Como psiquiatra que trabalha há anos com adolescentes, li com desconfiança. Por melhores intenções que se tenha, esse é um tema espinhoso para escrever a respeito, e mesmo as sumidades dessa área estão longe de serem unanimidade. Minha mulher, também mãe de primeira viagem dessa nossa pequena, participa ativamente de um blog e grupo de discussão sobre a maternidade, o excelente Conselhos de Mãe. Ela se decepcionou com a reportagem, e disse que a impressão geral das mães do grupo foi a de que a revista perdeu uma grande oportunidade de abordar mais profundamente o tema. A reportagem parece um manual de receitas de bolo, uma coleção de dicas genéricas. Em defesa da reportagem, reitero, é um tema espinhoso, difícil de acertar. E agora que me meti aqui a escrever a respeito, fico cada vez mais convencido disso.

Mas, já que me arrisquei, vamos lá. Está na hora de dar a cara a tapa e responder sem rodeios à pergunta que ficou tão insatisfatoriamente mal respondida na reportagem da Veja. Como educar seu filho?

Resposta: Educando-se. Eduque-se primeiro, e você vai educar bem seu filho.

Ufa! Muito bem, uma vez que isso está fora do caminho, reposta curta e grossa dada, vamos então conversar a respeito. Para começar, o que significa educar seu filho? Vai ser difícil falarmos sobre isso sem saber se estamos realmente preocupados com a mesma coisa. Há várias interpretações para "educar seu filho", e eu não pretendo ser exaustivo, mas vou citar algumas coisas que acredito que façam parte desse pacote:
1. Ensinar o que é certo e o que é errado;
2. Ensinar o que é bom e o que é mau;
3. Criá-lo de forma a ser uma pessoa feliz.

Antes de prosseguir, acho que vale a pena dedicar algumas palavras à diferença entre os dois primeiros ítens, que nem sempre fica clara de imediato. Por exemplo, ao descobrir que seu filho adolescente anda fumando maconha, isso merece uma conversa sobre o que é certo e errado, ou uma conversa sobre o que é bom e mau, ou as duas? Essa é uma questão encarada de forma tão diferente por tantas pessoas, que fica difícil tomar qualquer postura como base para começar. Mas, talvez, possamos começar dizendo que, pelo menos até que a lei mude, fumar maconha é errado, sem muita discussão, ficando então a ser definido em uma conversa franca se isso é ou não bom. Mas desse ponto de partida já começam a surgir dúvidas: Só porque a lei diz que não pode, disso se pode concluir que é errado? É bom para uma pessoa aceitar como certo aquilo que a lei diz que é certo, ou é melhor contestar? E essa resposta muda se a pessoa for um adulto ou um adolescente?

Sem responder a essas perguntas, permitam-me voltar aos três ítens que propus como constituintes de uma boa educação e perguntar: você sabe a reposta para essas coisas que devemos ensinar a nossos filhos? Você sabe a diferença entre bom e mau, e entre certo e errado, e sabe como ser uma pessoa feliz?

Percebe? Eduque-se primeiro, para poder educar bem seu filho. Se você nunca parar para se perguntar, para você e para a sua vida, sobre essas questões, dificilmente vai conseguir passar para seus filhos a educação que gostaria.

Centenas, ou milhares, de livros foram escritos sobre educação de filhos, e sobre essas questões de certo, bom e feliz. Por isso, não se preocupe, não vou tentar resolver essas questões nesse texto, que eu tenho certeza que você espera que seja uma leitura rápida. Mas pretendo ao menos desviar o foco da questão, que na reportagem ficou nas dicas genéricas, para o que considero realmente o cerne desse tema: não dá para educar bem um filho, sem ter clareza dos seus valores.

Vivemos uma era muito interessante, em que nunca na história, talvez, a sociedade humana foi tão complexa e tão complexamente modificada em tão pouco tempo. São tempos que já foram classificados por tantos nomes, e todos eles corretos: hedonismo, globalização, rapidez e fluidez, rejeição às tradições, consumismo, pulverização, imediatismo. Tudo isso faz parte, mesmo, do nosso mundo moderno. Estamos desacostumados a pensar sobre questões morais, como bom e mau, porque estamos o tempo todo em contato com novidades, com outras culturas, com ideais de liberdade e aceitação das diferenças. Desenvolvemos uma espécie de "consciência global" que facilmente detecta vilões estereotipados, mas que raramente nos pede para desenvolvermos uma profunda "consciência interna" de certo e errado. Às vezes achamos que temos uma idéia muito clara de nossos valores, mas só porque seguimos algo que aprendemos, e não sabemos mais ensinar a uma criança, ou adolescente, que nos conteste, as razões desses valores. Temos, muito mais claramente do que uma noção de bom e mau, uma noção de normal. Queremos viver a vida que todos estão vivendo e que nos é apresentada como boa. Queremos seguir nossas vidas e ser felizes, sem maiores preocupações. Mas aí vemos que "as crianças estão cada vez mais impossíveis", "ninguém respeita mais o professor", "as drogas estão em todo lugar e podem pegar seu filho a qualquer momento", "todos estão transando como coelhos", e achamos que isso, também, passou a ser normal. Nos desesperamos pois tudo o que é normal é tudo o que queremos, e o normal tem sido assustador nesse "mundo louco" de hoje em dia. O mundo não está louco. Loucos estão os que acham que basta ir levando a vida para ser "normal e feliz".

Aprender a desenvolver uma noção ética e moral que nos torne prontos para a vida na sociedade moderna é tarefa dificílima, mas fundamental para educar nossos filhos. Infelizmente, além de difícil também não é suficiente. Devemos também conhecer ao menos um pouco de psicologia infantil. Temos que saber como nossos filhos pensam, lidam com sentimentos e relacionam-se com adultos e com seus pares, ao longo das várias fases do desenvolvimento pela qual ele passa. Não adianta esperar de uma criança de 8 anos que tenha a capacidade de compreender questões abstratas como bom e mau da mesma forma que um adolescente de 17 anos consegue. E também não adianta esperar de um adolescente de 17 anos, que engana tão bem ao parecer que pensa e compreende o mundo da mesma forma que um adulto, que tenha o mesmo discernimento de um, porque não é verdade que eles pensem de forma parecida. Além de saber o quê ensinar, temos que saber também como ensinar, e o que nossos filhos serão capazes de aprender em cada fase.

Isso não é fácil, e fica mais difícil ainda pelo fato de que nossos conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil ficam desatualizados tão rápido quando tecnologia de telefonia móvel. As gerações "digitais" são mais diferentes de nós do que os hippies eram de seus pais nos anos 60, e nós não temos nem idéia do impacto que isso ainda vai ter no mundo. Mas não acho que isso deva nos desanimar. Na verdade, sinto que é um momento excitante, cheio de novidades, e povoado por criaturinhas que vão nos surpreender de formas absolutamente inimagináveis. Só precisamos, é claro, e mais do que nunca, estar preparados.

Para isso, não tem segredo, nem receita. Nem caminho fácil, e nem difícil. Só tem um jeito: ter conhecimento, amor, dedicação, e conhecer seu filho. Saber como ele é, e como pode ser. Saber o que você quer, e o que ele pode. Estar junto, aberto, seguro, e determinado. A quê? A ensiná-lo com firmeza ou leniência? Com rigidez ou com liberdade? Com limites claros ou com parâmetros construídos? Com fé ou com razão?
Só você pode saber. A questão é que você TEM que saber.


Poxa! Mas não eu não sou filósofo nem psicólogo. Não dá pra educar bem meu filho sem ter que estudar tudo isso, sem me reeducar, sem gastar tanto tempo e tanto tutano?

Claro que dá. É só seguir receita de bolo.